Portal de Eventos Científicos do IFRR, X Fórum de Integração Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação Tecnológica do IFRR

Tamanho da fonte: 
A representatividade política dos evangélicos brasileiros
Eduardo Guilherme de Moura Paegle

Última alteração: 2022-11-16

Resumo


O Brasil é um país em transição religiosa, devido ao crescimento nas últimas décadas da quantidade dos evangélicos e a queda do número dos católicos. Nesse processo sociológico de transição religiosa, uma das faces mais visíveis foi o aumento do interesse no campo político dos evangélicos brasileiros como atores que alcançaram um protagonismo no cenário nacional. Até o fim do regime civil-militar (1985), a política era vista em grande medida pelos evangélicos como algo pecaminoso, “mundano”, no jargão evangeliquês e, que, portanto, deveria ser afastado desse segmento religioso devido a crença desse ramo do cristianismo. Com o processo de redemocratização, na chamada “Nova República” (1985-...) estava claro a necessidade de elaborar uma Nova Constituição para representar o estado democrático de direito. O fato dos evangélicos se sentirem ameaçados em relação a liberdade religiosa que na sua visão seria tolhida pela Nova Constituição como uma imposição da volta do catolicismo como religião oficial fez com que a ideia de que “crente não se envolve em política” passasse para “irmão vota em irmão”. O objetivo desse artigo é compreender de que forma se constituiu a bancada evangélica e de que forma essa representatividade reflete no cenário político brasileiro. A metodologia inclui a comparação de tabelas e gráficos comparando um antes e depois da representatividade evangélica na eleição legislativa de 1986, a primeira realizada na pós-ditadura. No campo teórico, utilizamos a concepção do campo religioso de Pierre Bourdieu, considerando os líderes religiosos como produtores de bens simbólicos para alcançar o maior número de fiéis possíveis que são os receptores desses mesmos bens simbólicos, usando inclusive as relações nas interfaces política\religião como forma de instrumentalização. A noção do campo religioso somente pode ser considerado numa estrutura de plena liberdade religiosa, de plena disputa para o aumento do capital religioso. O campo evangélico está longe de possuir uma identidade homogênea, pois possui denominações oriundos da Reforma Protestante (presbiterianos, luteranos e anglicanos), de origem pentecostal (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja Evangélica Quadrangular, O Brasil para Cristo), de origem neopentecostal ( Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Internacional da Graça, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra e Bola de Neve), além dos batistas e metodistas e marcam portanto tensões também entre progressistas e conservadores dentro do campo intra-evangélico. O campo evangélico está também marcado pelos interesses midiáticos, pois o fato dos canais de televisão\rádio serem concessões públicas, justifica o interesse política para a obtenção permissionária. Os interesses dos líderes evangélicos e da indústria fonográfica já transformada numa indústria cultural que é usualmente chamada de “gospel” retroalimenta as relações evangélicas\políticas. Foi visível também a influência do tele-evangelismo de origem estadunidense naquilo que também passou à ser conhecida como “igreja eletrônica” e a utilização do carisma das lideranças. Esse processo foi chamado à partir da década de 1990 como “explosão gospel”. Além disso, constantemente os evangélicos estão associados pela imprensa com as pautas morais (contra o casamento homossexual, o aborto e a descriminalização das drogas), o que é chamado de “pânico moral”. Usualmente os evangélicos tem as suas pautas associadas a agenda conservadora, mais a direita no espectro político. A diversidade do campo evangélico faz também com que as disputas internas entre os progressistas e os conservadores ficassem evidentes e também entre evangélicos e não evangélicos. A instrumentalização do capital religioso para o capital político desenvolveu em algumas denominações, aquilo que foi chamado de “voto evangélico”. Existe um debate sobre qual a real capacidade dos líderes evangélicos de obrigar os fiéis para votarem nos candidatos de sua preferência. Outros políticos evangélicos discordam da instrumentalização religiosa com a finalidade política para obtenção dos votos. Na Câmara dos Deputados o primeiro deputado evangélico foi o pastor metodista Guaracy Silveira em 1934. Em 1986 foram eleitos 32 deputados federais evangélicos, enquanto na eleição de 2022 as estimativas indicam a eleição de 102 deputados federais evangélicos, além da representação com 13 senadores do mesmo segmento religioso. Os estudos acadêmicos evidenciam também que a baixa representatividade eleitoral dos pentecostais até 1986, apenas 6% dos representantes evangélicos eleitos até esta eleição. Como base de comparação, na legislatura 2018-2022 dos 116 deputados federais evangélicos, a igreja pentecostal da Assembleia de Deus elegeram 38 deputados e a Igreja Universal do Reino de Deus (neopentecostal) elegeram 22 deputados federais, sendo as duas denominações que elegeram mais deputados federais, seguidos pela ordem pelos batistas (14), Quadrangular (5), Internacional da Graça (3), Luteranos (3), Maranata (2), Metodistas (2), Anglicano (1) e Brasil para Cristo (1). Deste grupo, classificamos 4 como esquerda,  15 como centro e 97 deputados federais na direita. Analisamos também a produção acadêmica dos evangélicos na área das Ciências Humanas de forma interdisciplinar, pois entendemos as relações evangélicos\política devem ser analisados sob diferentes óticas e visões tão ricas e plurais.

 

Bibliografia

 

ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição da cultura brasileira. São Paulo: Arte editorial, 2005.

BAPTISTA, Saulo. Pentecostais e neopentecostais na política brasileira: um estudo sobre a cultura política, Estado e atores coletivos no Brasil. São Paulo: Annablume; São Bernardo do Campo: Instituto Metodista Izabela Hendrix, 2009.

BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. Organização de Luiz Roberto Benedetti; tradução de José Carlos Barcellos. São Paulo: Paulus, 1985.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Micelli. São Paulo: Perspectiva, 2013.

BURITY, Joanildo A.; MACHADO, Maria das Dores C. (Organizadores). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2006.

CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa: Ultimato, 2002.

SIUDA-AMBROZIAK, Renata; KRZWICKA, Katarzyna. Política y religión em América Latina. Lublin: Universidad Maria Curie-Sklodowska, 2017.

SPYER, Juliano. Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam? São Paulo: Geração Editorial, 2020.

TRABUCO, Zózimo. À direita de Deus, à esquerda do povo: protestantismos, esquerdas e minorias (1974-1994). Salvador: Sagga, 2016.

 


Palavras-chave


evangélicos;política;religião